6.2.14

Fundo




Não respiro.
Desde aquele dia que não respiro, aquele respirar fundo, aquele alívio. Os meus pulmões ficaram presos, não se abrem. E esta corda, tão esticada, que faz doer tanto.

Já não consigo ir à tona, continuo a descer até ao fundo deste mar que navegamos, o oxigenio é tão escasso. Que pedaço de dor deixaste comigo, a pior talvez, a pior dor que tínhamos, deixaste-a comigo, e ela pesa, e arrasta-me para o fundo, continua a afundar-me neste naufrágio inevitável.

Ah, que alívio. E respiravas fundo como se tivesses nadado até mim sem botija. Este aperto que só passa quando sinto o teu peito no meu, dizias. Era quase como se houvesse uma necessidade descontrolada de nos fundirmos.

Só alivia quando mergulho em ti, quando abres as portas da tua alma e me deixas entrar, para esse lugar, que só eu conheço, que nunca ninguém viu, nem vai ver, porque eu tenho as chaves, apenas eu consigo abrir essas portas. E estas chaves vão comigo, enquanto continuo em direcção ao fundo, cada vez mais, mais fundo.

Vou até ao fundo mais profundo, para deixar lá estas chaves, e vou voltar à tona para respirar, agarrar a bóia que me espera, e chegar ao porto seguro que me aguarda.

Não voltarei àquele lugar, nem eu, nem ninguém, pois essas portas só eu as abro, só eu sei como, só eu sei onde elas estão.

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